Diz-se por aí que o nascimento de um filho muda completamente uma pessoa e as suas prioridades de vida, seja pela necessidade insurgente de protegermos algo que é nosso e veio de nós, seja pela forma como olhámos para o mundo, sabendo que o nosso filho vai crescer nele. Não estou a falar por experiência pessoal. Não sou pai nem tenho prospecções para o ser no futuro próximo, mas é isto que me dizem colegas e amigos chegados que se aventuraram na paternidade. É como se acontecesse um “clique” dentro da pessoa, alterando a prospecção de vida. Foi isto que aconteceu com Kratos no novo God of War. É um homem mudado, mais consciente, calmo e sábio, não explodindo com raiva ao mínimo obstáculo que lhe apareça à sua frente. O motivo para esta mudança tem um nome: Atreus. É o filho de Kratos, ainda de tenra idade, e que tem de crescer rapidamente para alcançar o cima de uma montanha que vemos no cenário.
Qual é razão para a necessidade de alcançar o cimo da montanha? Não sabemos, mas julgamos que está relacionado com a morte da mãe de Atreus, cuja identidade permanece um mistério mesmo depois de termos jogado para cima de duas horas. Se fizéssemos uma comparação entre o início deste novo God of War e os anteriores, o contraste seria enorme. Em God of War 3 o jogo abre com um ataque voraz ao Monte Olimpo seguido de um confronto altamente violento com Poseidon. No novo God of War o início é tranquilo, com Kratos a ter um verdadeiro momento de Pai e Filho ensinando Atreus a caçar. Só este momento é um indicador forte o suficiente da filosofia para este novo jogo da série. A violência e os confrontos viscerais continuam a existir, sendo parte inevitável do ADN de God of War, a diferença é que a violência parece ter agora um propósito.
As comparações com The Last of Us são inevitáveis. O memorável título da Naughty Dog mudou para sempre o panorama dos videojogos e a relação entre Joel e Ellie é um espelho para aquilo que assistimos entre Kratos e Atreus. O deus da guerra tem sido um pai ausente e enfrenta agora um desafio para o qual não está preparado: cuidar e educar uma criança. É uma relação estranha e que está no início, mas que certamente se vai desenvolver ao longo da aventura. Kratos ainda está a aprender a ser pai e é autoritário e frio, sublinhando rapidamente todos os erros de Atreus. Por outro lado, Atreus está cheio de energia e vontade para aprender, mas é inexperiente e comete erros constantemente.
Em combate, a dupla pai e filho complementa-se bem. Renascer é a palavra apropriada para o novo God of War. Não estamos apenas perante uma história completamente nova e com temas diferentes da trilogia original, todo o sistema de combate foi criado de raiz para o novo título da PlayStation 4. Nova câmera, novos controlos, novas armas e novas possibilidades. A câmera está muito mais próxima e as situações de combate são muito mais intensas e pessoais como resultado desta alteração. As Correntes do Caos, cujas marcas são escondidas pelas ligaduras de Kratos, foram abandonadas e a arma de eleição da personagem é um machado mágico que nos faz lembrar o martelo de Thor, com a habilidade de ser invocado para regressar à palma da mão.
“A câmera está muito mais próxima e as situações de combate são muito mais intensas e pessoais”
Atreus ajuda o pai em combate com o seu arco, distraindo os adversários e permitindo que Kratos se componha. Por incrível que pareça, até os deuses envelhecem e Kratos já não tem o vigor que antes tinha, como alguns confrontos o demonstraram. O deus da guerra ainda é um oponente formidável e com capacidades incríveis, mas não consegue deixar de ficar exageradamente ofegante depois de um confronto duro. Não sabemos quanto tempo passou desde o final de God of War 3, mas foi tempo suficiente para causar mudanças físicas em Kratos, com a barba já a mostrar alguns pelos brancos e com as rugas da cara a mostrar que já não está a caminhar para novo.
A sabedoria da idade torna Kratos numa personagem mais agradável e da qual até conseguimos gostar. Parece que houve uma evolução positiva da personagem e para trás ficou aquele Kratos zangado, impaciente e cuja resposta para tudo era a violência. A Sony Santa Monica mostra que esteve atento às críticas feitas à personalidade e atitude de Kratos nos jogos anteriores e no novo jogo tornou-o, surpreendentemente, mais humano. Há pequenos momentos, em que Kratos, de cabisbaixo, está claramente a relembrar-se do passado e de tudo aquilo que fez na mitologia grega. As interacções com Atreus passam a sensação de que não quer que o seu filho siga o mesmo caminho, daí que seja tão rigoroso.
Apesar da inexperiência de Atreus, não terão que se preocupar com ele enquanto estão a combater, até porque o novo sistema requer mais do que simplesmente metralhar o quadrado e o triângulo para executar combos. Esqueçam tudo aquilo que aprenderam nos God of War anteriores. O novo sistema de combate está próximo de For Honor da Ubisoft, em que sentimos a individualidade de cada golpe infligido nos adversários. O machado de Kratos permite uma grande dinâmica e criatividade: podemos lançar o machado contra o oponente, continuar a combater com os punhos e escudo, e depois invocar o machado e atingir o adversário por trás. O que sobrou do sistema de combate anterior foi a possibilidade de contra-atacar os ataques dos oponentes se nos defendermos atempadamente, e o modo fúria de Kratos.
As opções do combate não ficam por aqui. O machado de Kratos serve ainda para congelar os oponentes (se ficarem a carregar no botão algum tempo antes de o atirarem para o alvo) e pode arrancar membros corporais como pernas e braços. Invocando a ajuda de Atreus, que quando carregamos quadrado começa a lançar flechas para o alvo indicado, podemos manter um inimigo no ar durante alguns segundos, que fica vulnerável aos poderosos ataques de Kratos. Do que pudemos de jogar, o sistema de combate é sólido e digno de um jogo com God of War no título. É efectivamente completamente diferente do que tínhamos antes, mas não de uma forma negativa. É uma abordagem mais “realista”, pelo menos no sentido em que sentimos uma aproximação muito maior nas acções da personagem.
“Não é um jogo em mundo aberto, mas existem várias oportunidades de exploração em cada nível”
Mas já chega de falar do combate. Certamente estás curioso para saber como é que funciona a progressão, principalmente num panorama em que os videojogos têm mundos cada vez mais abertos e com instâncias de liberdade. Bem, no caso de God of War, não é um jogo em mundo aberto, mas existem várias oportunidades de exploração em cada nível. Tentei afastar-me o máximo possível dos caminhos principais para ver que tipo de recompensas encontrava. A resposta veio na forma de cofres, que nos recompensam com uma moeda chamada Hacksilver, que está relacionada com o sistema de melhoria de personagem e de armas. Os jogos anteriores já tinham um sistema de melhoria para as armas, mas este novo God of War parece ser bem mais complexo e próximo de um RPG nesse elemento. Ainda dei uma vista de olhos no ecrã de melhorias (podemos melhorar tanto Kratos como Atreus), mas as duas horas não foram suficientes para perceber inteiramente o sistema, até porque grande parte das coisas estavam bloqueadas.
O mais engraçado é que, depois de passarmos mais de 2 horas a jogar, temos a sensação de que ainda existe imenso para descobrir. A Sony Santa Monica está a ser bastante restrita na informação divulgada antes do lançamento e parece que existem boas razões para tal; este novo God of War para a PlayStation 4 tem o potencial para surpreender quem jogou os anteriores e para injectar nova vida na série. Acima de tudo, gostamos da visão renovada do estúdio e de Cory Barlog para o novo capítulo, do Kratos “mais humano”, do seu filho Atreus e das surpresas que a nova mitologia reserva. A nossa experiência com esta demo cimenta o lugar de God of War com um dos jogos mais aguardados de 2018 e aumentou a nossa ansiedade para deitar as mãos à versão final.