A Quantic Dreams parece estar de volta à sua melhor forma com Detroit: Become Human, um jogo que claramente aproveita as bases estabelecidas anteriormente por Heavy Rain, considerado na geração anterior como um dos melhores exclusivos PlayStation. A emoção e o sentimentalismo são o que diferenciam Detroit: Become Human da maioria dos videojogos. O “matar para ganhar” e a violência gratuita tornaram-se demasiado comuns na indústria e limitam a criatividade bem como o alcance que os videojogos têm. E embora os videojogos estejam em crescimento, a realidade é que ainda não conseguiram ter o apelo praticamente universal dos filmes e dos livros.
Como é que isto se resolve? A resposta está em tornar os videojogos interessantes, mas acima de tudo, torná-los mais humanos. É curioso que “Become Human” seja o subtítulo de Detroit. Encaixa na temática do jogo, mas também serve como uma mensagem para a indústria: a necessidade de humanização dos videojogos. Não quero insinuar que, futuramente, todos os jogos têm que ser como este, até porque os jogos de “matar para ganhar” podem ser muito divertidos e relaxantes, mas há uma grande necessidade de diversificação de temáticas e mecânicas. Há necessidade de mais jogos como Detroit.
“Também serve como uma mensagem para a indústria: a necessidade de humanização dos videojogos”
A Paris Games Week 2017, que decorre na “casa” da Quantic Dream, foi o palco para uma dose de novidades de Detroit. Já tinha tido a oportunidade de assistir a apresentações, mas esta foi a melhor oportunidade para ficar com uma impressão sólida. Depois da cena com o detective mostrada em feiras anteriores, o estúdio francês apresentou uma nova cena com Kara, uma personagem reaproveitada de uma demo tecnológica da Quantic Dream. Kara é uma android contrata para tratar da casa, como arrumar, preparar as refeições e, na cena apresentada, tratar das crianças.
A sequência mostrada de Kara é de grande intensidade emocional. Todd, o pai de Alice, a criança da qual Kara toma conta, está desempregado devido à falta de empregabilidade causada pela ascensão dos andróides. Frustrado com a situação e com a fuga da sua mulher, descarrega em Alice numa cena em que torna-se difícil assistir sem sentirmos desespero e revolta. É uma arte que a Quantic Dream aprendeu a dominar e que torna os seus jogos muito mais intensos e reais, transformando as personagens em mais do que meros seres virtuais.
Um dos truques a que a Quantic Dream recorre para dar credibilidade às personagens são as expressões visuais, que estão muito próximas da realidade. O jogo de câmara é inteligente, alternando entre ângulos mais amplos que nos dão uma visão geral da cena e ângulos mais próximos das caras das personagens que, sem qualquer palavra, nos transmitem o que estão a sentir. A frustração na cara de Todd é evidente, bem como a preocupação de Kara, que mesmo sendo um android, não mais do que um objecto, se preocupa com o bem estar de Alice. Neste aspecto, Detroit: Become Human tem um impacto tremendo que nos mostra o quão avançados estão os videojogos. Aqui há uns anos não tínhamos mais do que caras pixelizadas sem qualquer traço emotivo.
Mas não é só de emoção que Detroit: Become Human é feito. A Quantic Dream quis mostrar os resultados possíveis mediante as decisões. Para isto, jogou duas vezes a cena de Kara e, nos momentos cruciais, optou por decisões diferentes. O resultado final foi o mesmo em ambas as cenas, mas com ligeiras variações. Diferente de jogos anteriores da Quantic Dream, nos quais já havia liberdade para tomar decisões, Detroi mostra, depois do final, um ramificação das decisões que tomaram que revela todas as outras hipótese. As hipóteses em cada cena são mais do que muitas, o que ajudará a tornar a experiência muito mais pessoal.
“As hipóteses em cada cena são mais do que muitas, o que ajudará a tornar a experiência muito mais pessoal”
Os controlos e a interacção, pelo que pudemos ver e experimentar, são muito idênticos ao que já tínhamos em Heavy Rain e Beyond: Two Souls. Há momentos em que podemos controlar directamente a personagem. É nestas situações que existe oportunidade de exploração e de encontrar coisas que podem influenciar os diálogos e acções disponíveis durante os momentos cruciais. Na cena de Kara, encontramos uma arma que, para defender Alice, podemos usar para intimidar Todd. Também existem os momentos de acção, cuja a interacção é feita através dos familiares QTE (Quick Time Events). Num jogo em que a história e as nossas decisões assumem todo o destaque, é um sistema que resulta, embora não traga novidades face aos jogos anteriores deste estúdio.
Não tivemos a oportunidade de ver o impacto das decisões na história global de Detroit: Become Human, aliás, nem sabemos ainda como é que as personagens mostradas até agora se vão relacionar, mas a Quantic Dreams afirma que a história será influenciada pelo resultado de cada cena. Do que vimos, estamos convencidos e curiosos para jogar Detroit: Become Human, principalmente depois da cena mostrada na Paris Games Week, que apesar de pegar num tema controverso, é uma infeliz realidade para algumas crianças. Como disse no início, não há nada de errado em jogos com temas mais levianos, mas é importante que existam jogos que nos tocam profundamente e que lidem com temáticas desta natureza. Só assim é que os videojogos se tornarão mais humanos.