O que significa ser humano parece, inicialmente, uma pergunta de resposta fácil, mas assim que começarem a pensar um pouco sobre a questão, vão aperceber-se que na realidade a resposta é altamente complexa e não tão linear quanto pensavam. Alguns poderão dizer que é a nossa elevada inteligência que nos distingue, outros dirão que é a nossa capacidade para sentir determinadas emoções e certamente haverá quem aponte que é a nossa capacidade de distinguir o bem do mal e toda a construção da ética que daí advém. Nenhuma destas respostas está errada se comparamos o humano aos animais, mas o que acontecerá se um dia construirmos andróides que, para além de serem idênticos a um humano, até nos conseguem superar em algumas coisas? É esta questão pertinente que Detroit: Become Human coloca, levando-nos para um futuro próximo em que os andróides estão a substituir os humanos nas mais variadas tarefas.
Bem-vindos a Detroit, 2038. A cidade que marcou a história com a revolução da indústria automóvel voltou a ser pioneira, mas desta vez com a indústria dos andróides. Os andróides são a tecnologia da moda e pela cidade vemos lojas e publicidades a promoverem este produto. Apesar de praticamente idênticos a um humano, com a excepção de um sinal luminoso na têmpora direita, os andróides não têm livre arbítrio, estão sempre disponíveis para seguir as nossas ordens, não se cansam e nunca falham, ou pelo menos, é isso o que parece. A elevada eficácia dos andróides fez com que as grandes indústria com necessidade de mão de obra descartassem os humanos e adoptassem a nova tecnologia milagrosa, deixando milhares no desemprego neste processo de transição.
Os andróides tornaram-se tão comuns na cidade que foi acrescentada uma divisória especial para andróides nos autocarros. Nas lojas, já não somos atendidos por pessoas, mas por andróides. É efectivamente uma nova revolução industrial, mas com desvantagens. Pela cidade fora, existem protestos e actos de violência, o resultado do elevado número de humanos que ficaram desempregados. É neste clima de instabilidade social que a história de Detroit: Become Human prospera.
Adoptando uma estrutura semelhante a Heavy Rain, Detroit: Become Human conta a sua história através de múltiplas personagens. Todas as personagens, Kara, Connor e Markus, são andróides e mostram diferentes realidades da sociedade futurista. Kara é uma dona de casa criada para limpar, arrumar, cozinhar e tomar conta das crianças; Connor é um detective no departamento da polícia, e Connor é o assistente de pintor famoso. O que têm estas personagens em comum? Num momento crucial ganham livre-arbítrio e a capacidade de sentir como se fossem um humano.
“Adoptando uma estrutura semelhante a Heavy Rain, Detroit: Become Human conta a sua história através de múltiplas personagens”
Depois do nosso primeiro contacto com Detroit: Become Human na Paris Games Week, onde tivemos a oportunidade de jogar com Conner naquela cena em que tem de resgatar uma menina refém de um andróide descontrolado, fomos convidados para uma experiência mais longa na qual conseguimos jogar para cima de duas horas. Durante este período vimos a história de origem de cada um dos andróides e jogámos com cada um deles. As nossas impressões são maioritariamente positivas e estaríamos a mentir se dissemos que não ficamos com vontade de jogar mais e de conhecer o resto da história.
A experiência, se já tiveram contacto com Heavy Rain ou Beyond: Two Souls, será familiar. Detroit: Become Human, o novo jogo idealizado por David Cage e pela Quantic Dream, segue os mesmos traços, apostando sobretudo na narrativa e num elevado nível de realismo. Para dar vida a um jogo como este, a Quantic Dream recorreu a tecnologia de ponta cujos resultados nos deixaram boquiabertos.
A tecnologia usada para desenvolver o novo jogo é impressionante. Foram contratados actores reais que dão cara e corpo às personagens e as animações são fruto de intensas sessões de captura de movimentos que garantem a Detroit: Become Human um estatuto cinematográfico. Mas o mais impressionante, e que ajuda a solidificar o realismo da experiência, são as expressões faciais. Num jogo como este, em que os planos da câmara ficam constantemente próximos da cara das personagens, acertar nas expressões faciais era crucial. O resultado é possivelmente o jogo com as expressões faciais mais naturais que alguma vez já vimos.
A história desenrola-se transitando de cena para cena, familiarizando-nos pouco-a-pouco cada uma das três personagens. De forma natural e suave, vamos conhecendo os protagonistas e as diferentes perspectivas que nos oferecem da sociedade. Não foram personagens escolhidas ao acaso. Cada uma tem o papel de mostrar a quem está a jogar que os andróides são mais do que meros objectos e ferramentas. Tanto é que não podemos jogar com nenhum humano, uma artimanha para nos fazer sentir compaixão pelos andróides e para vermos melhor as maldades que os humanos são capazes.
Uma das grandes promessas para Quantic Dream para Detroit: Become Human é as muitas escolhas que os jogadores poderão realizar, encaminhando a narrativa em direcções diferentes. Um dos andróides com que jogámos até pode morrer numa das cenas iniciais, deixando-nos com apenas duas personagens jogáveis até ao final da história. As escolhas não são ilimitadas, mas no final de cada cena, quando aparece um esquema que mostra todas as decisões que escolhemos e todas as que eram possíveis, verificamos que as possibilidades são diversas. As escolhas, ao contrário de outros jogos, são mais do que optar por uma fala. Certas escolham existem na forma de jogabilidade e são subtis, passando despercebidas à maioria.
“Um dos andróides com que jogámos até pode morrer numa das cenas iniciais”
A possibilidade de tomar decisões nos videojogos não é novidade, mas na maioria das vezes, o resultado dessas decisões não é drasticamente diferente dos outros. Com Detroit: Become Human a Quantic Dream sublinha que as tuas escolhas têm um real impacto na história e no seu desfecho. É complicado perceber isto sem chegar ao final da história, o que só conseguiremos fazer quando tivermos acesso à versão final, mas bastou trocarmos as nossas experiências com as de outras pessoas no evento para percebermos que as possibilidades são variadas. As escolhas vão tornar a história de Detroit: Become Human em algo mais pessoal e, se estiveres interessado, adicionam um enorme valor de repetição (honestamente, as possibilidades em cada cena são tantas que terás de passar o jogo inúmeras vezes se quiseres ver tudo).
Posto isto, Detroit: Become Human é uma evolução dos ideais da Quantic Dream e um novo pico para os jogos narrativos. Mas o que distingue mais este jogo dos restantes, é como a Quantic Dream consegue encaixar num jogo acções banais como limpar a casa ou ir buscar uma tinta à loja. Pode parecer algo banal, mas assistir a uma cena destas num videojogo é raríssimo e acaba por ser uma lufada de ar fresco. Apesar de Detroit: Become Human ir de encontro ao estilo pelo qual a Quantic Dream é conhecida, a verdade é que continuam a existir poucos jogos como este.